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2021: destilando o turbilhão

  • Writer: luisakarman
    luisakarman
  • Jan 26, 2022
  • 7 min read

Updated: Jan 27, 2022


29/10/2021 "Eu e o artinerário (juntos, claro) estivemos em crise.

Crise não é notícia ruim apenas, pois é momento de re-estruturação - ou, pelo menos, é o que me diz meu terapeuta rs. Mas não é momento fácil de passar ou compartilhar, porque é um revirar do avesso. E meus avessos já vinham se revirando ao longo do ano (mais no território da minha pesquisa, já que passei a maior parte do ano num ambiente acadêmico), mas o gatilho veio quando trabalhei numa feira de arte, aqui em Londres. Não nas tendas/estandes, mas dando assistência pros galeristas com necessidades logísticas. Em alguns momentos, tive chance de ver a feira, que é bastante cara e não tinha tido chance ainda de visitar. Mas esses momentos foram todos marcados por um prefácio, que foi a chegada ao trabalho e a interação com as pessoas.

Para contexto, a feira é erguida do zero no meio de um parque. No meu primeiro dia de trabalho, aquilo estava em construção. Em 3 dias, estava aberto. E que abertura!, mais parecia um tapete vermelho. Da terra batida a Hollywood. Do banheiro químico a um com produtos de toilette. As roupas espetaculares. 'Ano passado a Rihanna veio', a gente fofocava entre tarefas. E as tarefas: atendendo às demandas variadas de galeristas também variados (alguns gentis, outros nem tanto), mas na sua maioria aparentemente sobrecarregados das demandas que a eles também tinham sido feitas (algumas de forma gentil, outras nem tanto - num ciclo).

O calendário de feiras é conhecido pela intensidade, de uma pra outra direto, maratonas pra artistas e todos os envolvidos - que, conforme eu descobri, são muitos. Fui exposta a muitos tipos diferentes de funções que acontecem em torno de uma obra de arte: tanto literalmente, como com aqueles que manipulam e instalam as obras, ou aqueles que dão tours na feira sobre as obras e artistas; quanto indiretamente, como aqueles que trabalham com os artistas e facilitam a relação com as galerias, ou que coordernam o marketing, enfim... ao mesmo tempo que eu via avenidas de como atuar nas artes, essa atuação se mostrava imersa no que foi tomando forma pra mim finalmente como o mercado de arte (pra mim, era uma ideia abstrata até então, e quando se fala de NFTs complica ainda mais).

Com essa silhueta, vieram duas sensações, pra ser bem sincera: inveja e, ao mesmo tempo, vontade de queimar tudo ('Pôr fogo em tudo, inclusive em mim', como disse Drummond). A inveja vinda da ilusão, da fantasia ingênua de um mundo da arte glamuroso que era mais ou menos a minha versão do filme O Diabo Veste Prada & a vontade de queimar tudo vindo de uma desilusão gigantesca, que amargou mesmo o que me tocou ali, as obras que me fizeram parar pra olhar..."

Aqui, uma nota posterior: Pra não registrar só o amargor, vale mencionar que foi um prazer ver ao vivo obras de artistas como Loie Hollowell (acima), Pamela Phatsimo, Do Ho Su e Simone Leigh, sobre quem já pesquisei, mas pouco tinha visto. Rever as fotografias de Claudia Andujar e as tapeçarias de Samson Kambalu, também foi precioso. Em termos de descobertas, me tocou muito a obre uma instalação de quatro telas, pelas quais passava a artista, rasgando um pano que se estendia por toda parte e era audível o som daquilo se rompendo. Infelizmente dessa última não me lembro os detalhes, mas, se encontrar, incluo! Das outras, incluo aqui imagens (feitas numa câmera de celular quebrada), e nisso pude revê-las com outra perspectiva, amém. Agora é mais fácil perceber que foi precioso estar nesse ambiente, não só em termos de experiência e job$, mas também de portas pra pesquisas e referências visuais . Continuando.

Pamela Phatsimo

"...Não que eu fosse ingênua e não soubesse 'desse lado' da arte. Mas ele é exclusivo, esse é o 'appeal'. E, por ser exclusivo e inacessível, é opaco pra quem vê de fora - o que permite que se projete uma imagem de mudança, ou até de maior acessibilidade. O pouco de acesso que eu tive não configura transparência, mas pelo menos uma espiada pela fechadura.

Simone Leigh

Antes da pandemia se discutia a insustentabilidade das feiras de arte e sua obsolescência, mas também importância para sustentar a movimentação de um mercado que, com as realizações pausadas pela pandemia, ia se mostrando também precário.

Me pareceu que, para quem participava daquilo, isso não era assunto.

Agora, o que era assunto, já não sei. Mas sei que para alguns essa feira antecedia outra imediatamente após, em Paris. Parece que a movimentação de quantidades exorbitantes de pessoas (numa pandemia, lembremos), obras, capital, recursos para a construção e execução dos eventos e mão de obra para realiza-la, o consumo de peças caríssimas e, finalmente, combustíveis pra transportar tudo e todos (ufa!) continua de vento em polpa.

Samson Kambalu, Flag Factory 3

O aluguel de um estande se aproxima do valor de uma casa. Para alguns galeristas, como expressado a gritos por um deles, isso parecia significar que para eles não deveria haver regras ou procedimentos, como os que eu estava encarregada de desempenhar. Então né... alguns atritos.

Outros momentos com pedidos gentis, como de uma artista que é pessoa com deficiência e não podia comparecer porque estava mal de saúde, mas queria poder guardar o crachá como lembrança. Recebi a foto dela por email e imprimi um crachá - nada assim revolucionário, mas pra ela aquele objeto significava algo que nenhuma das obras por ali tinha significado pra mim até então. E arte é muito sobre isso, quando algo passa a ter significado pra você a partir de uma conexão com o que aquilo significa para outra pessoa, e como ela expressa isso.

Billie Zangewa, Sweetest Devotion (2021)

Houve também incidentes tragicômicos como uma galerista vindo nos contar que na instalação da iluminação, uma das luzes tinha caído numa escultura e "danificado seriamente" a obra. Diz que acontece com frequência, o que justifica outra daquelas funções em torno da obra de arte: um profissional de conservação da feira, que fica por ali caso dê alguma dessas tretas e precise resolver.

Para além desses eventos mais notáveis, de forma geral foi crescendo uma sensação de que a percepção de necessidade ali dentro era muito bizarra.

Acredite, eu estou convicta que a gente precisa de arte pra sobreviver, quem dirá viver! Mas ninguém precisa de um código QR pra colar na parede pra dar acesso a uma viewing room da sua galeria onde se pode comprar obras online (ou precisa? já que vendas online seguraram a bronca de quando as feiras foram canceladas em meio a pandemia). Ninguém precisa burlar uma regra pro chefe, que é dono de uma galeria, não ter que fazer fila como todos os outros reles mortais que estão ali trabalhando e fazendo fila. Ninguém precisa gritar por nada que esteja acontecendo ali com exceção de um senhor que teve uma convulsão - isso sim é urgência.

Mas foi listando coisas assim que comecei a me perguntar o que era necessário ali...


Do Ho Suh

E o buraco negro que se abriu a partir disso levou até o que eu pensava que era combustível, o que me fez querer criar e manter o artinerário como plataforma. A ideia de que tem algo sobre aquilo que vale a pena ser dito, respondido, discutido, analisado. Mas ali eu via um vazio. O que vale ser dito, sobre isso? O que vale ser compartilhado disso aqui?

E começou a procura desesperada por significado, durante aquela semana naquele ambiente. Tentar mesmo andar pela feira direito, fora do horário de trabalho. Observar...



Ou visitar o jardim das esculturas (acima) com as minhas amigas depois do trabalho - que valeu mais pelos comentários e papos do que pelas obras, mas foi interessante observar a interação dos objetos com o ambiente.

Ou tentar passear pelas revistas e encontrar uma voz ali em que eu pudesse me agarrar, mas, dentre os muitíssimos anúncios de marcas de luxo, não ouvi nenhuma.

Felizmente, essas vozes apareceram em alguns momentos, como quando pude interagir com um artista brasileiro (Vinícius, eu vou te achar online, menino!) que estava por ali fazendo performances e me senti tocada por alguma coisa que parecia querer dizer alguma coisa no meio daquele barulho vazio.

Claudia Andujar

E aí, passado um tempinho vazio de inspiração, fui me arrastando dar uma olhada na SP-Arte online. O drama é drama, mas a sensação era essa, the thrill is gone, acabou o brilho. Mas felizmente olhei!

Encontrei pérolas, que são as imagens nas galerias abaixo. Reparem em como algumas obras colocadas em pares pro site se complementam ou dialogam:



Isso tudo me fez pensar que se esse mercado impulsiona o reconhecimento, a divulgação e o sustento de todos esses artistas então de alguma coisa serve. Coisa essa que, vale dizer, eu desconfio que outras estruturas não-capitalistas possam fazer de forma que o artista não precise criar pra comer (minhas pesquisas sobre Cuba me contarão...)


Já sei, que o olhar distante de quem tem saudades de casa pode romantizar e ignorar problemas que talvez me tenham sido mais evidentes aqui, ainda mais trabalhando dentro da feira como nunca fiz no Brasil. Mas a minha distância me poupou um gosto amargo que senti aqui e possibilitou que eu visse nas obras o que elas tinham pra contar sobre arte - que, quando tentei ouvir das obras na feira, não pareceu ecoar em meio ao ruído.

(Cibelle Cavalli Bastos, Kauê Garcia, Keila Serruya Sankofa, Isidora Gajic, Leka Mendes, Gabriel Orozco, Tangerina Bruno, Aleta Valente)

E aí fui lembrada que fazer arte (antes de que se atribua a ela um valor monetário) é ter o que expressar, é ter senso de humor, é ter resiliência, é ver chama no escuro e escuro na chama, é projetar utopias e conexões a partir de detalhes, invocar cheiros, sons, sensações... E mesmo quando se atribui um valor monetário, a arte também dialoga com isso, provoca, testa, dobra, inverte. Ou pelo menos foi assim que eu senti, hoje, ainda me recuperando da ressaca que foi perder a minha conexão com arte que, pra mim, é como um relacionamento - prioritário, inclusive. É possível mante-lo online?, eu me pergunto. Novamente, o que dizer de tudo isso daqui, da distância? Acrescentando o quê? E pra quem, exatamente? Essas são algumas das perguntas que eu tenho me feito, que me pedem ponderação e justificam um longo silêncio..."

 
 
 

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