top of page
Search

Compartilhando pesquisas #1: sobre os artistas contemporâneos sul-coreanos Do Ho Suh and Haegue Yang

  • Writer: luisakarman
    luisakarman
  • Aug 1, 2020
  • 11 min read

Updated: Sep 16, 2020

um prefácio rápido: tenho pensado muito sobre todas as pesquisas que são feitas e nunca compartilhadas. No meu caso, o formato isso é o de pesquisa acadêmica que fiz pra trabalhos e que parece que evapora depois que tá entregue o produto final. Então eu resolvi voltar nuns trabalhos de faculdade e resgatar obras, artistas e ideias que eu quero revisitar e voltar a discutir sobre. Isso sem argumento ou tese necessariamente, só como um jeito de explorar a curiosidade e compartilhar o processo de se debruçar sobre um tópico.


Esse post é o primeiro nesse estilo, em que eu compartilho a pesquisa que fiz sobre dois artistas contemporâneos sul-coreanos que achei fascinantes: Do Ho Suh (b.1962) and Haegue Yang (b. 1971)


Esq.: Do Ho Duh, Staircase V (2003), parte da série Staircase, tecido poliéster e aço

Dir.: Haegue Yang, Mountains of Encounter (2008), cortinas venezianas de alumínio © Haegue Yang, Photo: Museum Ludwig, Šaša Fuis, Cologne


Eu me encantei por esses artistas quando estava escrevendo um trabalho que pedia que eu discutisse a obra de quaisquer dois artistas contemporâneos coreanos - sem restrição, sem tema, sem muito mais orientação. Pensei em ir atrás de artistas atuais da Coreia do Norte porque o tema me interessa muito, mas existe pouquíssima informação sobre isso - inclusive a arte que acaba saindo de lá é literalmente traficada por alguns que se arriscam. Aí lembrei das obras da Haegue Yang porque tinha visto sua instalação numa sala do Tate Modern room e na minha cabeça tinha um paralelo visual entre as obras dela e de Do Ho Suh, que discutimos em aula. Na pesquisa inicial, eu percebi que a conexão entre eles era mais do que só estética: ambos reagiram a um momento na história da Coreia em que a globalização ecoava na cena de arte local e, cada um com a sua existência itinerante, encontraram estratégias criativas pra explorar suas experiências de deslocamento e constante circulação no mundo artístico globalizado. Nesse post, eu vou comentar mais sobre esse contexto, focar na obra de cada artista separadamente e depois explorar mais a fundo alguns pontos de conexão entre eles.


Contexto

Desde os anos 90, a sociedade e cultura coreanas passaram por mudanças dramáticas, que incluíram a democratização completa da Coreia do Sul e desenvolvimento econômico acelerado. As políticas governamentais se tornaram mais liberais em termos de viagens internacionais (em contraste com a Coreia do Norte), o que permitiu que sul-coreanos circulassem mais intensamente no exterior e pudessem ter uma visibilidade global, enquanto influências externas também cresciam dentro do país. Esse envolvimento mais direto da Coreia do Sul na dinâmica da globalização levou a discussões sobre a relação entre ideias de identidade nacional e a exposição à outras culturas participantes de uma rede internacional que se tornou acessível nesse momento. A cena de arte local foi impactada por isso, e desenvolveu-se ali uma história de arte contemporânea que se projetou internacionalmente. O historiado J. P. Park resume o desenvolvimento desde então: "o momentum da globalização na Coreia nunca desacelerou e as inovações de artistas ao longo das últimas décadas sem dúvida aponta para o feedback mútuo entre a globalização e as artes" (tradução livre).

Foco: Do Ho Suh


Nascido na Coreia do Sul, Do Ho Suh se mudou para os Estados Unidos para trilhar carreira artística quando jovem e desde então já morou em Nova Iorque, Seoul e Londres, consolidando uma carreira de sucesso em escala global - inclusive representou a Coreia do Sul na Bienal de Veneza em 2018.

Enquanto críticos descrevem sua abordagem do tema 'deslocamento' em conexão com essa trajetória geográfica, o artista também discute um sentimento geral de "constante deslocamento".


Do Ho Suh with his work at museum Voorlinden

Photo: Antoine Van Kaam


Ele conta que, na contra mão da norma de demolir casas tradicionais nos anos 60/70, ele vivia em um hanok (construção tradicional coreana) na época - uma experiência que ele descreveu como "morar em uma cápsula do tempo. Aqui, ele expressa a sensação de dislocamento espacial e temporal e aponta para a importância da estrutura da casa em pautar essa experiência. A casa, enquanto ideia e enquanto coisa concreta, é central pra sua obra, na forma de estruturas de arquitetura que ele habitou, ou pedaços delas, que ele reconstrói em esculturas.


Do Ho Suh, Seoul Home, 1991


Em obras como Seoul Home (Casa em Seoul, 1991), o artista criou uma réplica em seda do hanok em que morava, seguindo as dimensões da construção original. Recentemente, o artista também tem explorado construir "réplicas proporcionalmente exatas de moradias, detalhes arquitetônicos ou mobílias" a partir de tecido poliéster colorido e translúcido, que ele chama de Hubs. A transparência do material concede às obras uma aparência etérea, que invoca a experiência da memória que é também não-concreta e permeável ao exterior. Por conta dos materiais têxteis, as obras portáteis pois podem ser dobradas e colocadas facilmente na mala do artista quando ele viaja entre continentes.

Do Ho Suh, Hubs: Bathtub, Apartment A, 348 West 22nd Street, New York, NY 10011, USA, 2013 (esq. superior) | London Apartment, 2015 (esq. inferior)| London Studio: Boiler Room, 2015 (dir. inferior) & detalhe de Passages por pienw (direita superior)


Para o artista, isso reflete a ideia de que todo o espaço é "transportável e traduzível" (entrevista com Jayoon Choi, 2012) e seu entendimento é que essas peças perdem e ganham novo significado conforme são levadas pra diferentes lugares - assim como acontece quando um indivíduo se adapta a novos ambientes. Em termos críticos, essa característica de suas obras foi discutida por Park como uma reinvenção das obras que são específicas ao local de instalação, e como parte de uma prática nomádica que acomoda a constante relocação do artista. A ideia de que a prática artística pode acomodar essa movimentação lembra também a forma como Do Ho Suh renomeia suas obras conforme ele as leva e expõe ao redor do mundo, adicionando cada novo local de instalação no título da obra. Por exemplo, quando ele instalou Seoul Home (1999) em Los Angeles, a obra se chamou Seoul Home/LA – e assim por diante com Seoul Home/New York e Seoul Home/Kanazawa.


Do Ho Duh, Home Within Home Within Home Within Home Within Home, 2014, poliéster, estrutura de metal (esquerda) | Visitantes em Home Within Home no National Museum of Modern and Contemporary Art, Korea em Seoul. Foto Jung Yeon-Je/AFP/Getty Image (direita)

Também seguindo essa ideia de espaços replicáveis e portáteis, o artista cria outras obras em que diferentes espaços, como o da casa, são somados de forma que a barreira entre um e o outro se mistura por conta da natureza do tecido translúcido. Em 2014, o artista criou Home Within Home Within Home Within Home Within Home (Casa dentro de casa, dentro de casa,...), uma instalação em que a réplica em tecido de sua casa coreana é colocada dentro de uma reconstrução no mesmo material de um apartamento onde morou quando se mudou para os EUA, em Rhode Island.


Do Ho Suh, Fallen Star, 2012, University of California San Diego’s Stuart Collection


Outra forma de explorar a ideia de casa/lar foi proposta em Fallen Star (Estrela 'caída). Aqui, uma casa coreana genérica colide com um prédio de aparência ocidental - que é no caso a Stuart Collection, da Universidade da Califórnia em São Diego. Nessa obra, a apareência externa desconcertante da casa se extende também para o seu interior, em que o ângulo entre o chão e a casa não é reto, promovendo o que o site da UCSD descreveu como uma sensação de desorientação. Há um contraste entre essa estranheza da 'casa torta' e a decoração familiar que o artista criou dessa casa como se fosse qualquer outra, totalmente mobiliada por dentro. Detalhes dessa mobília permitiram que Suh introduzisse sua experiência pessoal na obra, já que ele incluiu retratos da sua própria família. Enquanto essa obra destaca sua memória pessoal assim como ocorre com as casas em tecido, Fallen Star também tráz um aspecto chocante e caótico para a relação entre os dois mundos que aqui colidem, ao invés de uma aparência de coexistência em uma atmosfera etérea como em outras obras.


Foco: Haegue Yang

Yang nasceu na Coreia do Sul e começou seus estudos em Seoul, mas mais tarde mudou-se para a Alemanha. Ela trabalha com uma variedade de mídias, de colagem à performance, mas suas instalações foram meu foco aqui. Assim como Suh, Yang explora temas relacionados ao movimento e ao deslocamento. Ela coloca seu estilo de vida nomádico no centro de sua prática artística, que opera entre Seoul, Berlim e outros paradeiros temporários do mundo artístico internacional, como disse Wes Hill (2018). A artista engaja com uma gama extensa de referências artísticas, mas também trabalha com a realidade de trabalhar para além de barreiras regionais.

Haegue Yang, Apollo Magazine

Em uma obra recente no museu Tate, Yang “explora a história da arte conceitual pautada por um conjunto de regras" Sol LeWitt Upside Down – Structure with Three Towers, Expanded 23 Times, Split in Three (Sol LeWitt de ponta cabeça - estrutura com três torres, expandida 23 vezes, dividida em três) tem seu título a partir do conjunto de regras usado por Yang em sua reinterpretação da Estrutura com Três Torres de LeWitt de 1968, uma escultura térrea que ela reproduziu em cortinas venezianas de plástico penduradas no teto. A obra é um exemplo de sua frequente prática de fazer referência a momentos marcantes da história da abstração, em que ela se baseia em obras canônicas de artistas famosos para criar à sua maneira - mas em momento algum ela propõe uma 'coreianização' das obras, o que é importante em termos de como entende arte e nacionalidade.

Haegue Yang, Sol LeWitt Upside Down – Structure with Three Towers, Expanded 23 Times, Split in Three, 2015 (left) | Sol LeWitt, Structure with Three Towers, 1968 (right)

Em Sol LeWitt Upside Down... (2015), Yang cria um ambiente transiente pelo qual o espectador pode circular, experimentando diferentes perspectivas quando observa a estrutura dentro e embaixo dela. O uso de venezianas começou com sua Série de Arranjos Vulneráveis - Quarto Cego (Series of Vulnerable Arrangements – Blind Room, 2006), na Bienal de São Paulo, chamada ‘Como Viver Junto’ e se repetiu em outras criações desde então. O material evoca o ambiente doméstico, mas também cria uma sensação de permeabilidade ao mundo externo - que também ocorre com as construções translúcidas de Suh Do Ho. Em ambos os casos, a natureza dos materiais promove uma sensação de ambivalência, na qual existe tanto uma separação de e uma conexão com o mundo exterior em diferentes níveis.


Haegue Yang: Series of Vulnerable Arrangements – Blind Room, 2006 (esq. superior) | Mountains of Encounter, 2008 (dir. superior) | Series of Vulnerable Arrangements –Voice and Wind, 2009, at the Guggenheim NY (dir. e esq. inferiores)


Frequentemente, Yang soma às venezianas outros objetos típicos do ambiente doméstico, como os ventiladores que usa em Série de Arranjos Vulneráveis - Voz e Vento (Series of Vulnerable Arrangements – Voice and Wind, 2009), exposta no Guggenheim, New York. Como a descrição do museu coloca, esses materiais estão aqui separados das suas funções mundas, engajados como elementos de uma obra de arte que almeja promover associações subjetivas ao trazer o privado ao ambiente público (site do Guggenheim). Essa prática de dissociar materiais de seus contextos originais é recorrente na obra de Yang, que repetidamente coloca em questão as expectativas comuns que se tem acerca da especificidade de um local, seja usando objetos domésticos fora do ambiente da casa, seja recriando as construções de diferentes lugares, como aqui:

Sua série Intermediários (The Intermediates) é composta de réplicas da mesquita Russa de Lala Tulpan (esq.), o templo Indonésio de Borobudur (meio), e a estrutura de uma pirâmide Maia (dir.). Yang reconstrói esses diferentes símbolos culturais em ráfia para focar na dispersão de materiais e práticas artesanais, que são associadas com locais específicos.


Os ambientes que cria em suas instalações são imersivos e permitem que a interação com espectadores altere e informe a percepção da obra. No caso das obras com venezianas, a experiência de andar pela escultura ou sob ela, por exemplo, faz com que a luz permeie a obra de diferentes formas. Em obras como Cittadella (2011), esse elemento de imersão e movimento é intensificado e ganha dimensão sensorial, já que a artista inclui luzes em movimento e emissores de aromas.

Haegue Yang, Cittadella (2011)


Pontos de conexão

Continuando na linha do tema 'experiência do espectador', há muitos pontos em comum entre Haegue Yang e Suh Do Ho. Em suas instalações imersivas, ambos convidam o espectador a habitar e se movimentar pelas obras, permitindo um engajamento performativo e reflexivo com as obras, que traz questões acerca da interação do indivíduo com o espaço e a percepção de outros que ali habitam.

Do Ho Suh, Passage/s, installation views, museum Voorlinden, 2019


Na sua recente série Passagem/passagens (Passage/s), Suh produziu configurações de seus Hubs pelas quais se pode andar. Combinando esses espaços de 'meio do caminho' em um longo corredor, o artista produz uma sensação de constante passagem e explora a experiência transiente e um estado de fluxo (Bae and Dimitriadis 2015, p.315). Além disso, tanto no uso de materiais domésticos de Yang, quanto na alusão à nostalgia e a suas próprias memórias pessoais de Suh, ambos permitem que o espectador faça suas próprias projeções pessoais na percepção das obras.

Do Ho Suh, Bridging Home, 2010, photo by Susan Collins


Outro ponto de comparaçnao entre Yang e Suh é a abordagem de cada um à diferença cultural, que nesse caso se estabelece entre a origem e o contexto de cada um deles. Como Park (2013) coloca, em contraste com Suh, que ancora Seoul como seu ponto de origem criativa e emocional, Yang 'deslocalizou' suas origens (Park 2013, p.521). Enquanto as obras de Suh retratam diferentes mundos simbolizados por diferentes estruturas arquitetônicas, que podem ser representadas (como em Seoul Home), colidir (como em Fallen Star), coexistir (como em Home Within Home...), Yang dissolve as barreiras da especificidade e promove uma fusão de diferentes universos culturais. Quando cria suas versões de obras de artistas ocidentais, por exemplo, ela não articula nenhum discurso sobre a dicotomia entre as duas culturas, e parece abordar ambos sistemas culturais como pertencentes a ela, independente de sua origem. Nesse sentido, é possível sugerir que ela é adepta - ou performa - a ideia de "cidadã(o) global" ou "identidade transnacional", que frequentemente ecoa nos entendimentos dos deslocamentos do século 21.

Haegue Yang, Tracing Movement, 2019, installation shot at South London Gallery


Além disso, a sensação de luta com "a transformação da sua identidade pessoal coreana em face da assimilação desenfreada à cultura estaduniedense" identificada por Hwa Young Caruso (2008) na obra de Suh é ausente na de Yang. Isso é visto por Park (2013) como sintoma das recentes mudanças na arte coreana, que incluíram um progressivo distanciamento de políticas de identidade por parte de artistas, que é identificável aqui mesmo com uma diferença curta entre o início das vidas e carreiras de Suh e Yang.

Haegue Yang, Handles, 2019, installation shot at the MoMA


Isso fica claro quando contrastamos suas abordagens distintas à mobilidade das obras dentro de um mercado global. No caso de Suh Do Ho, enquanto as obras não são exatamente compatíveis com práticas museológicas ou de coleções privadas tradicionais e propõe que se olhe para as possibilidades de curadoria com a transnacionalidade em mente, a possibilidade de facilmente dobrar e transportar as obras as faz muito compatível com a ideia de deslocamento. No caso de Yang, sua discussão sobre mobilidade (tanto a sua enquanto indivíduo como a de suas obras) como uma artista que trabalha em escala global não inclui nenhuma alusão ao sentimento de nostalgia ou ao "romance do estrangeiro batalhador" (Park 2013, p. 513) – talvez evocado por Suh. O mais claro exemplo da abordagem da artista é sua obra Storage Piece (2004), na qual ela expôs suas obras ainda embaladas e guardadas como estavam desde a exposição anterior, como uma estratégia criativa para lidar com o fato de que não tinha onde armazená-las. As obras também já foram expostas em um "processo gradual de serem desembaladas" em exposições em Los Angeles, Houston e outros lugares (Choi 2015, aqui).


Do Ho Suh, New York City Apartment/Corridor/Bristol, 2015. Bristol Museum & Art Gallery


Em resumo, por mais que seja amplamente reconhecida a dificuldade de definir tendências na arte coreana desde os anos 1990 (principalmente porque há poucos grupos de artistas organizados com pautas definidas ou manifestos), perspectivas como as de Park, Bae e Gregs me ajudaram na hora de estabelecer paralelos entre os artistas e identificar tendências em comum. Entre elas, se destaca a exploração do tema que Park descreve como "a retórica da identidade, diáspora e exílio, e uma sensação de nostalgia", evidente nas trajetórias e obras de Suh e Yang, ainda que por diferentes lentes.


Encerro aqui com alguns links sobre outras obras de cada artista pra quem tiver interesse, porque ambos foram muito além das mídias/temas que eu pesquisei e vale muito a pena dar uma olhada. Segue:


Do Ho Suh




Haegue Yang







 
 
 

Comentarios


©2020 by Artinerary | Artinerário. Proudly created with Wix.com

bottom of page